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Distúrbio pouco conhecido causa dificuldades de aprendizado

29 abr 2010 - 09h13
(atualizado às 09h17)
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Os pais e professores muitas vezes dizem às crianças que elas precisam prestar atenção - pedem que "mantenham os ouvidos atentos". Mas e se o cérebro de uma criança não souber como escutar? É esse o desafio para as crianças que sofrem de distúrbio de processamento auditivo, uma síndrome não muito bem compreendida que interfere com a capacidade do cérebro para reconhecer e interpretar sons. Foi estimado que entre 2% e 5% das crianças sejam portadoras desse problema, de acordo com Gail Chermak, especialista em ciência da fala e audição na Universidade Estadual de Washington, e é provável que muitos casos dessa doença tenham passado sem diagnóstico ou recebido diagnósticos incorretos.

Os sintomas do distúrbio de processamento auditivo - problemas para prestar atenção e acompanhar instruções, baixo desempenho acadêmico, distúrbios de comportamento e baixa capacidade de leitura e vocabulário - são muitas vezes confundidos com distúrbios de atenção ou até mesmo autismo.

Mas agora a doença está enfim recebendo a atenção que merecia já há bastante tempo, graças em parte à apresentadora de TV Rosie O¿Donnell e seu filho Blake, 10, que sofre de distúrbio de processamento auditivo.

Em um prefácio a "The Sound Of Hope" o som da esperança, livro da patologista da fala e terapeuta auditiva Lois Kam Heymann, que tratou Blake-, O¿Donnell relata a maneira pela qual percebeu que havia alguma coisa de errado

Tudo começou com um corte de cabelo, antes que o menino começasse suas aulas de primeira série. Blake já vinha trabalhando com uma terapeuta de fala para corrigir suas respostas vagas e outras dificuldades, e por isso quando ele pediu "pouco cabelo" e a mãe não entendeu direito o que ele desejava, interpretou que fosse um cabelo bem curto, como o do irmão. Mas no carro, mais tarde, Blake irrompeu em lágrimas e O¿Donnell percebeu o erro: "pouco cabelo" queria dizer que Blake desejava que pouco cabelo fosse cortado.

"Eu fui para o acostamento e o abracei", escreve O¿Donnell. "Pedi desculpas porque não tinha compreendido o que ele precisava e prometi que me sairia melhor dali em diante".

Foi um momento decisivo. A busca de O¿Donnell por maneiras de atender melhor às necessidades do filho a levou a Heymann, e a especialista descobriu que Blake tinha audição perfeita; o seu problema estava em distinguir entre os sons; para ele, palavras como "tamborim" e "tangerina" e "cama" e "fama" pareciam iguais.

"A criança ouve que a menina deitou na fama e percebe que não faz sentido", disse Heymann em entrevista. "Mas enquanto ela continua tentando compreender o que ouviu, o professor leva a aula adiante e ela começa a ficar para trás. Os sons que estão sendo distorcidos e interpretados indevidamente afetam a maneira pela qual a criança aprenderá a fala e linguagem".

O cérebro de Blake enfrentava dificuldades para reter as palavras ouvidas, o que resultava em vocabulário limitado e problemas de leitura e para soletrar. Linguagem abstrata, metáforas e até mesmo algumas piadas eram experiências que causavam confusão e frustração.

As crianças com problemas de processamento auditivo muitas vezes são incapazes de filtrar e excluir outros sons. A voz do professor, o ruído de uma cadeira raspando o chão e o das páginas sendo viradas são ouvidos com o mesmo volume. "A reação normal de um pai é questionar por que a criança não ouve", disse Heymann. "Mas ela está ouvindo; o problema é que não ouve a coisa certa".

A solução muitas vezes envolve uma abordagem abrangente, na escola e em casa. A fim de atenuar sons indesejados, faixas de feltro ou bolas de tênis podem ser usadas para amortecer os sons de cadeiras e mesas quando são movimentadas. Os pais tentam simplificar a linguagem que utilizam e evitar metáforas e referências abstratas.

Na casa de O¿Donnell, as ocasiões sociais maiores e mais ruidosas, que incomodavam Blake, passaram a ser evitadas. Duas sessões semanais de trabalho com sons e palavras, usando rimas e gestos, o ajudaram a recuperar o atraso em seu aprendizado.

Ajuda na escola é essencial. Uma família do condado de Westchester, Nova York, que pediu que seu nome não fosse revelado para proteger a privacidade do filho, se reuniu com os professores do menino para propor uma série de adaptação ¿ como o uso de um pequeno microfone pela professora a fim de direcionar sua voz mais claramente a um alto-falante na carteira do aluno, a fim de ajudá-lo a distinguir melhor entre a voz dela e o ruído ambiente.

Ninguém sabe o motivo exato para que as capacidades de processamento auditivo não se desenvolvam plenamente em todas as crianças, de acordo com o Instituto Nacional de Surdez e Distúrbios da Comunicação.

Cientistas vêm realizando estudos com ressonâncias magnéticas cerebrais a fim de melhor compreender a base neural do problema e descobrir se existem diferentes variedades do distúrbio.

Afortunadamente, o distúrbio parece ter pouca ou nenhuma correlação com o nível de inteligência. Blake tem conhecimento enciclopédico sobre animais - certa vez, corrigiu a mãe por chamar de puma um leão da montanha. O aluno de Westchester, que agora tem 17 anos e está no segundo grau, tem chance de admissão em algumas universidades de elite.

"Ele está em um curso acelerado de latim, e nas turmas premiadas de ciências", diz sua mãe. "Lembro que eu costumava sonhar com o dia em que ele acordaria de manhã e me chamaria de 'mamãe'".

Nem todas as crianças se saem igualmente bem, e algumas das crianças que sofrem de distúrbio de processamento auditivo apresentam outros problemas sociais e de desenvolvimento. Mas O¿Donnell diz que o tratamento não se destina apenas a fazer com que consigam melhores notas na escola.

"Na verdade, o processo afetou definitivamente todo o seu mundo", ela diz, sobre Blake. "Não só o aprendizado. A doença isola a criança da sociedade, das interações. Ao ver a diferença entre o que ele é hoje e sua situação dois anos atrás, e ao imaginar o que poderia ter acontecido se não tivéssemos reconhecido o problema... Acho que ele estaria perdido".

The New York Times
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